terça-feira, 21 de julho de 2015

Quanto Vale o Show?

"Se a vida não tem preço, nós comportamo-nos sempre como se alguma coisa ultrapassasse, em valor, a vida humana... Mas o quê?"
Antoine de Saint-Exupéry
As unidades de medidas são grandezas que servem para especificarmos valores que possam ser interpretados universalmente em função de padrões previamente estabelecidos. Isso é mais importante do que parece. Imagine, por exemplo, os problemas que poderiam ocorrer se o quilograma mudasse a cada quatro anos. Há quem diga que o , uma unidade de medida do Sistema Inglês para comprimento, teve seu valor baseado no tamanho do pé do rei Henrique I da Inglaterra. Eu acho difícil que o valor que temos hoje para essa unidade de medida seja mesmo o comprimento do pé daquele rei, mas já acho possível que cada rei que assumisse o governo alterasse o padrão a ser considerado a partir do seu reinado. E é aí que encontramos o problema.

Imagine que o novo dono de um terreno considerasse a medida de pé diferente do antigo dono, dessa forma ele poderia estabelecer os limites do seu terreno além daquele que um dia foi acordado com o dono do terreno vizinho. Pronto, estava armada a confusão. Essa briga poderia se estender por dias, por meses, por anos, por gerações. Quem sabe até a fatídica rivalidade entre as famílias de Montecchio e Capuleto da história de "Romeu e Julieta" não tenha começado assim (somente Shakespeare poderia nos responder).

Os conflitos baseados em diferenças de padrão poderiam ocorrer tanto no âmbito doméstico, quanto no âmbito político. Então, para resolver essa questão, mas não somente essa, foram surgindo entidades e institutos que passaram a padronizar as unidades de medida universalmente.

Vamos falar um pouco do metro, por exemplo, outra unidade de medida para comprimento, mas agora do Sistema Internacional de Unidades. A primeira definição teve como base as dimensões da Terra, ou seja, se tomássemos os 90º correspondentes ao quadrante de um meridiano terrestre e o dividíssemos em 10.000.000 partes iguais, cada uma dessas partes equivaleria ao comprimento de um metro. Mais tarde, pela necessidade de mais precisão no referencial e como a circunferência da Terra não é perfeita, tomou-se como referência um outro valor constante no universo e bem mais preciso, a velocidade da luz. Sendo assim, o metro passou a equivaler ao espaço, em linha reta, percorrido pela luz no vácuo em um intervalo de tempo igual a 1/299.792.458 de segundo.

Complexo? Muita volta só pra dizer quanto de espaço tem entre um ponto daqui até ali? Parece que até passamos a confundir as importâncias. O que tem mais valor, o espaço daqui até ali que nos interessa medir, ou a própria definição de metro? Quem dá valor para quem? O comprimento que queremos medir é tão importante para nós que foi necessário elaborar um padrão preciso que nos impeça de errar? Ou o padrão definido é tão complexo e bem elaborado que ele é quem dá valor a medida que estamos fazendo daqui até ali?


Desviando: Isaac Newton (esse cara está ficando famoso aqui nos meus textos) disse uma vez que toda ação gera uma reação. É por isso que nunca usamos o punho para fazer um buraco na parede, por exemplo. Com a mesma força que nossa mão atingisse a parede, a parede estaria atingindo nossa mão e, como nossa mão é bem mais frágil que uma parede, a próxima ação seria correr para um hospital (já mencionei as três leis de Newton aqui). Albert Einstein disse que nós, do lado de fora do trem, vemos a locomotiva se mover, mas para quem está dentro do trem, a locomotiva não se move, mas somos nós que nos movemos lá fora, ficando cada vez mais para trás. Enfim, tudo é uma questão de referência.

Voltando: Onde está o valor das coisas? O esforço dignifica as conquistas, ou as conquistas dignificam o esforço?

Nós nos esforçamos dia a dia, vamos até o nosso limite, exauridos, e o que conseguimos no final? O sucesso profissional? Nós nos esforçamos porque almejávamos uma posição social? Então, o título na parede deu valor ao esforço? É tudo o que vale o esgotamento dia a dia? Ou não, porque nos esforçamos, nos esgotamos, fomos ao nosso limite, então o sucesso é valorizado? Nesse caso, se tivéssemos nos esforçado por outro motivo, esse outro motivo teria sido dignificado igualmente?

Poderíamos substituir o sucesso profissional nas perguntas acima por uma casa, um automóvel, um bom salário, reconhecimento... pela manutenção do padrão. O que buscamos? Se as conquistas não são o fim, mas o que fazemos por elas é o que importa, qualquer conquista obtida teria o mesmo valor, pois o esforço pode ser o mesmo sempre. Ou não, o que queremos mesmos são as conquistas finais, custe o que custar? Nesse caso, que valor estamos dando aos nossos esforços com as conquistas que usamos para medi-los? Temos nos perguntado por que temos feito algumas coisas e por que temos deixado de fazer outras?

Desviando: Em física existe o conceito de trabalho. Uma força realiza um trabalho sobre um corpo (um bloco maciço, por exemplo) ao fazê-lo se deslocar. Mas nem todo trabalho é útil para promover o deslocamento, uma parte pode estar sendo perdida enquanto o atrito entre a superfície do bloco e o chão aquece a ambos, por exemplo. Daí vem o conceito de trabalho total e trabalho útil. O trabalho útil é aquele que efetivamente está deslocando o bloco e é apenas uma parcela do trabalho total aplicado. Eficiência, é quanto o trabalho útil representa do trabalho total. Poderíamos fazer uma analogia com o carvão em uma churrasqueira. Apenas parte do carvão será queimado para gerar calor, outra parte vai se transformar em cinzas. O carvão útil é a diferença entre a massa de carvão que tínhamos antes de começar o churrasco e a massa de cinzas que sobrou.

Voltando: Eu particularmente acho que são apenas sob circunstâncias de sofrimento, esforço, privação e desgaste que nós evoluímos, infelizmente. Infelizmente porque como me coloco nesse pacote é como se pudesse prever que essas coisas me esperam pelo caminho, pelo menos se meu desejo for me tornar uma pessoa melhor. Não é verdade que uma criança nos obedece quando pedimos, mas só aprende depois que rala o joelho no chão? Se dermos tudo para uma criança, permitirmos que ela viva sem privações, ou sem esforço, não é verdade que descobriremos após alguns anos que somos bons em criar monstros? Um poeta falou uma vez que "você culpa seus pais por tudo; isso é absurdo; eles são crianças como você; o que você vai ser quando você crescer?"

Então, o problema não é o sofrimento diário, o desgaste, o cansaço, a privação, pois são ferramentas importantes para sermos pessoas melhores hoje do que fomos ontem (nada de esperar ser uma pessoa melhor amanhã do que foi hoje). A questão é, que valor estamos dando para tudo isso? O quanto tem sido útil? Estamos mantendo a vida, ou estamos mantendo padrões? Sofrimento por sofrimento, não poderíamos sofrer por coisas mais válidas, mais necessárias, mai úteis? Pelo que nos esforçamos, pelo que nos dedicamos, pelo que estamos suportando? Estamos convencidos com as nossas respostas, ou são as melhores que podemos dar apenas? O que vale mais, a distância daqui até ali, ou o padrão?

"Temos uma ambição com a qual nós concordamos
E você acha que você tem que querer mais do que precisa
(...)
Tem aqueles achando, mais ou menos, que menos é mais
Mas se menos é mais, como você mantém um placar?
Quer dizer que pra cada ponto que faz, seu nível cai
É como começar do topo
(...)
Sociedade, tenha piedade de mim
Espero que não fique brava se eu discordar"

Não é que existam pessoas que não gostam de fazer nada, o que existe são pessoas que ainda não descobriram pelo que seus esforços podem ser realmente úteis. Não é que existam pessoas que lutam por coisas fúteis, há quem não tenha entendido ainda quão úteis podem ser seus esforços. Pode ser triste viver uma vida inteira sem descobrir motivos que valham a pena. Pode ser decepcionante ter descoberto, mas viver uma vida sem coragem. Não sei se fico triste, ou se fico decepcionado.

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